O «sistema» e o sindical-corporativismo

by jfc

Abandonei o ensino público há um pouco mais de 20 anos. Depois disso, e no contexto da minha nova actividade profissional, criei um curso numa instituição privada e lá dei aulas durante uns anos. Mas acompanhei sempre (e sempre que possível do lado de dentro: associações de pais, assembleias de escola, esse tipo de coisas) a questão da escola. Vi e ouvi muito. As questões do ensino não me são, pois, estranhas.

Abandonei o ensino – actividade que prezo muitíssimo e de que sempre gostei muito – para me ver livre do sistema. Não se julgue que o sistema é uma coisa abstracta, um tenebroso «eles» que se traduz e dilui na ideia do Ministério monstruoso e sufocante. É verdade que o Ministério pode ser sufocante e produzir coisas monstruosas, mas a realidade das escolas, o verdadeiro «sistema», são os professores.

Foi, pois, para me ver livre dos professores que fui à minha vida. Mas a vida fez-me voltar muitas vezes às escolas e ter de lidar de novo com professores. Recordo que uma das últimas vezes que isso aconteceu foi quando assisti a uma aula de literatura portuguesa na turma da minha filha, então no 12.º ano.

A razão por que fui assistir dispensa explicação neste contexto. O certo é que fui, depois de o respectivo professor ter consentido (honra lhe seja). Acompanhava o desempenho do sujeito à distância e com irritação crescente, mas não interferiria se a ocasião não tivesse sido propiciada. Porém, confesso, fui quixotescamente disposto a colocar alguns pontos nos ii (do ponto de vista científico e pedagógico) se a coisa descambasse para a asneirada do costume.

Fui. E não fui capaz de dizer nada. Nada. Nem uma palavra. Fiquei quase o tempo todo de olhos em baixo, cheio de vergonha. Tive tanta vergonha, meu Deus!, tanta vergonha de estar ali. Foi abaixo de tudo o que seria imaginável. Ainda hoje sinto vergonha só de pensar nisso. Inenarrável. Acabei por falar com o tipo a sós (apenas a minha filha assistiu) no final.

Imagino – e creio que imagino bem – que, a esta hora, a criatura se prepare para fazer greve no dia dos exames.

Escrevi um dia, já há uns anos, que certas reformas fazem-se, ou só se fazem realmente, contra as pessoas com as quais essas reformas se tornariam impossíveis de concretizar. Compreendo que esta posição suscite interrogações e inquietações. Mas é isto mesmo que se passa com as sucessivas «reformas» do ensino, entupidas pelo sindical-corporativismo reinante e pelas tristes personagens que o têm representado ao longo dos anos, desvirtuadas pelo «fraldiqueirismo» e anuladas pelo principal inimigo destas reformas, se algum dia o chegaram a ser: a cobardia política face à ideia de que nada se pode mudar contra a vontade dos professores. Destes professores.